Aconteceu entre nós…

Por Lara de Lima Batista Pereira Mendonça
Japanese Lanterns, 1895 – Luther Emerson Van Gorder

Hoje fui ao Hospital Dia, em atividade do Grupo Comunitário, onde eu vou para cuidar de mim, mas “fazemos de conta” que é por um trabalho voluntário.

Já aconteceu de ir aos grupos e deixar a alma em casa… aí “olho pedra, vejo pedra”, como a Adélia. E paciência…

Mas não hoje.

O Grupo Comunitário não brinca em serviço, não faz de conta, não corta caminho. Ousa e acredita nas pessoas.

O coordenador foi logo dizendo que hoje seria (ainda) mais difícil, iríamos trabalhar procurando Experiências de Vida no Sofrimento. Tentei fazer cara de inteligente, mas a vontade era de sair correndo… difícil demais… Quem já pôde sofrer de verdade sabe, esse negócio de “abrir a porta pra tristeza e convidar para o chá”, não é simples assim.

“A gente só cresce no sofrimento”, “ Mar calmo não faz bom marinheiro”, “Deus prova àqueles que ama”… Sempre temi essas frases, desde criança, porque sempre temi o próprio sofrimento. E não estamos falando de joelhos ralados…

A Adélia Prado diz que o sofrimento é importantíssimo, que é preciso encarar o sofrimento e que fugir dele é uma perda de tempo. Mas é preciso coragem… isso sou eu que estou dizendo.

 

Então, lá fomos nós. A gente confia, acredita na potência de cada ser ali e as coisas vão acontecendo. E eu vou anotando, apenas porque sei que preciso de toda forma de ajuda que pode surgir, e o desejo é que nada se perca. Nada seja desperdiçado. E, dessa forma, a própria vida não seja um grande e trabalhoso desperdício.

Felizmente os outros participantes se sentiram mais preparados do que eu em relação à proposta e muitas possibilidades foram ali trazidas em relação ao sofrimento, que iam muito além do lamento: O sofrimento que me coloca num lugar de gratidão ao receber cuidado, que me ensina a cuidar e me faz melhor do que sabia. O sofrimento que me torna mais sensível ao sofrimento do outro, me forja e me põe em busca de novos recursos. E até, para alguns privilegiados, o sofrimento que pode ser transformado em arte.

O sofrimento, quando bem vivido, me torna mais consciente de quem sou, de minhas capacidades, desejos e necessidades. Necessidades essas que, quando negligenciadas, me trazem desconforto, me fazem sofrer e por vezes adoecer.

O sofrimento, portanto, pode também ser bússola para se chegar a si mesmo.

Mas agora já penso que não é preciso apenas coragem para encará-lo, mas também companhia. É preciso se sentir amparado e minimamente seguro para que o sofrimento possa ser experiência de vida e não apenas de morte. Eu mesma, tenho visto, em muitos momentos, não me sinto capaz de viver o meu sofrimento para além de minhas defesas.

Assim são os encontros do Grupo Comunitário para mim. Semana passada uma participante falou, “eu sempre durmo, eu nunca dormi tanto, e hoje aqui eu não tive sono…” Digo que eu também frequentemente me percebo mais desperta e viva nesses grupos, e, nessas horas, volto a ser inteira.

E então, aqui estou eu, que não queria funcionar hoje cedo, há horas, viva, motivada a escrever tanto, num misto de surpresa, gratidão e esperança.