“É preciso viajar” – abril de 2014

Logo no início do grupo escutamos a história de uma senhora de 94 anos, que havia respondido prontamente ao convite para viajar e conhecer a nova cidade e o apartamento para o qual o bisneto havia se mudado. Essa disponibilidade despertou uma reflexão sobre a atitude que cultivamos no grupo: abertura a realidade e humildade, possível aos 94 anos. Ou seja, percebíamos que não havia predominado nela a possível pretensão de que já havia conhecido o bastante.

Lembrei de uma frase descoberta quando adolescente: “Viajar não é só sair de casa, é sobretudo encontrar o outro, porque é com ele que a gente aprende” (Michel Serres). Dessa forma, penso que fica reforçada a imagem do Grupo Comunitário como uma oportunidade de viagem. Viajar dentro da experiência do outro, não somente para conhecê-la mas para vivenciá-la. Trata-se de uma compreensão distinta daquela que considera existir uma forte distinção entre a “minha” vida e a do outro. O grupo nos ajuda a descobrir que a vivência do outro pode “sacudir a gente” e se integrar a nossa própria história.

Nessa mesma manhã, no momento do Sarau ouvimos a contribuição de outra participante, trazendo as palavras de Amir Klink, com a provocação para viajar:

“Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.

Acho que o mais interessante é que a “viagem” pode ser simples, como visitar um poste! Um dos participantes relatou a sua surpresa quando passeando pela faculdade e se deparou com um poste onde, de longe, podia ler a palavra: “Vendo”. Aproximou-se com a expectativa de encontrar o anúncio de algum produto e surpreendeu-se com o que leu escrito abaixo: “a banda passar cantado coisas de amor”.

Compreendemos que viajar com o outro nos reserva esse o privilégio de ver o inusitado e ser tocado pela mesma poesia que foi capaz de comover o nosso companheiro de caminho. 

Às vezes parece até que combinamos de trazer histórias que se articulam, pois nesse mesmo grupo ouvimos uma participante contar de sua satisfação com o passeio a uma cachoeira:

“Quando chegamos lá foi uma experiência bonita na minha vida, pois eu estava esperando uma cachoeira pequena e ela tem 84 metros. E era um dia frio, não tinha Sol. Mas foi tão bonito… É um paredão que meio que te fecha e eu fiquei maravilhada. Estava gelado, não tava uma coisa gostosinha… eu estava tremendo e meus dentes começaram a doer de tão gelado… O que pra mim foi fascinante é que foi difícil chegar, e quando você está lá não é que é só gostoso. A agua não é fresquinha é super gelada, e pra subir tem que tomar muito cuidado. E o tempo todo eu queria que todo mundo que eu gosto estivesse lá…

Nesse relato descobrimos que compartilhar não é detalhe, mas parte da viagem. E, pensando nos depoimentos compartilhados nessa manhã, podemos compreender que o Grupo Comunitário permite encontrar pessoas contando de suas “viagens” e perceber “a formação da pessoa humana” como um horizonte em meios aos mais variados acontecimentos cotidianos.

Sergio