RELATO DO ENCONTRO ocorrido no ECEU no dia 25 de abril de 2015.

O que leva pessoas a acordarem cedo em um sábado para participarem de um grupo de saúde mental?

Em uma manhã sonolenta, me junto a algumas delas que se dispuseram a estar ali.

Logo no início do grupo o coordenador explica o objetivo daquele encontro, seria um espaço para prestar atenção nas nossas experiências. Segundo ele “(…) não tanto nas coisas que estão acontecendo, mas quando a gente está acontecendo, quando a gente sente que está sendo formado dentro da vida. A partir de qualquer acontecimento tanto os mais agradáveis, quanto os mais desagradáveis.” Isto repercute em mim, percebo o quanto podemos passar pelos dias, alheios a nossa própria vida.

Em seguida, o coordenador conta de uma pessoa que a partir do evento da morte do irmão, pôde se reinventar, se perceber viva, acontecendo. E nos chama a atenção de que se existe essa possibilidade em meio a tal acontecimento, também existe no nosso cotidiano. Dessa forma, nos convida a participar do sarau, trazendo relatos do contato com músicas, filmes, poemas, frases que nos permitem acontecer.

Uma participante pede para ler um poema que fez e ao final conta do seu movimento para se conhecer mais, “de tornar conhecido aquilo que é sombrio na nossa vida”. Segundo ela: “Caminhar para a vida é transpor esses limites, é ir além para essas descobertas”. E nos fala que nessa busca ela se deu conta de que, às vezes, as coisas são tão simples que ficamos até espantados.

A partir dessa fala, o coordenador lembra de uma entrevista com a Adélia Prado onde ela dizia que sua poesia vinha do espanto com a realidade. Ele nos fala, então, de estarmos atentos à possibilidade de nos espantarmos com o que acontece ao nosso redor.

Outra participante conta de uma frase que viu na internet: “Onde não puderes amar, não te demores”. Ela nos explica que a frase remeteu a pensar sobre sua capacidade de amar: “Tenho aprendido que em gestos simples, como em um sorriso, olhar, bom dia, podemos amar. E eu achei legal essa frase por eu poder perceber em que momento eu posso amar e se eu não puder, que eu não me demore”.

Uma participante traz o vídeo da música “Bola de meia, bola de gude”, de Milton Nascimento e nos conta que ela fala de duas coisas que a ajudam muito em seu cotidiano, remetendo a letra da música, diz: “A primeira, o adulto que fraqueja e o menino vem dar a mão, ou seja, tem uma criança dentro de mim que me ajuda a lidar com as coisas do dia-a-dia. E a outra, há um passado no meu presente…”

E ela nos conta da emoção em ver no gesto do seu filho, mexendo e testando painéis luminosos por conta de seu curso em engenharia, o gesto similar do seu pai que em sua época fez um curso de elétrica por correspondência “Ficou muito forte esta coisa do passado no presente”.

Outra participante traz a frase “Fica sempre um pouco de perfume nas mãos de quem oferece rosas”. Ela fala muito grata de rosas que recebeu esse mês e acrescenta que, para ela, o perfume não fica só nas mãos de quem entrega, mas também de quem recebe. Completando sua fala, outra participante conta que a frase se trata do pedaço de uma música e assim, temos a oportunidade de colocá-la e ouvir naquele momento.

O grupo vai seguindo e outras pessoas vão contribuindo, como um mosaico cada um traz uma peça, seja falando, seja ouvindo e vamos formando o quadro daquela manhã. Uma participante fala da sua sensibilidade em perceber que uma pessoa precisava de sua ajuda e de como ajudá-la lhe fez bem. Outra pessoa conta de um jantar, um momento em que esteve com os amigos e os filhos, revelando sua capacidade de criar circunstâncias, momentos e gestos agradáveis. Um participante conta uma trajetória sofrida de sua doença e a recente descoberta de ter somente metade do coração funcionando, mas se ilumina ao dizer que diante disso se tornou voluntário em uma ONG que atende crianças especiais e o valor que tem percebido no sorriso delas. Outra participante fala do quanto estar ali no grupo mexia com ela de forma que conseguia “olhar para trás e enxergar melhor” os eventos que ocorreram em sua semana, como o sofrimento intenso com dores que teve e o modo como isso a fez rever sua maneira de cuidar das pessoas (seus pacientes) que também sentiam dor.

Ao final do grupo, somos convidados a olhar para o que aconteceu naquele momento e refletir o que levamos conosco, o que fica em nós. Para muitos fica a gratidão por uma música ofertada; o deslumbre de ver alguém que mesmo doente se propõe a ajudar o outro, permanecendo também com o perfume das rosas nas mãos; a constatação da capacidade de criar, de se transformar, reinventar; e da forma com que juntos, naquele momento, ajudamos a ampliar um no outro a capacidade de ser.

Para mim, fica a possibilidade de exercer esse olhar para trás e para a vida, que ilumina e faz demorar o que, tantas vezes, simplesmente passa. E diferente de como entrei, saio desperta, grata e entendendo o que leva algumas pessoas a acordarem cedo em um sábado para participarem de um grupo de saúde mental.

Marília